A decisão liminar do
ministro Marco Aurélio de Mello, nesta quarta, determinando a liberação de
todas as pessoas que estão detidas em razão de condenações em segunda
instância, poderia afetar - em tese - cerca de 150 mil presos, incluindo o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo o Banco Nacional de
Monitoramento de Presos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), esse é o número
de presos cumprindo execução provisória da pena, ou seja, sem condenação
definitiva.
Dada individualmente por Marco
Aurélio em resposta a uma Ação Declaratória de Constitucionalidade feita pelo
PCdoB, a decisão do ministro é erga omnes, ou seja, vale para todos, segundo
criminalistas e especialistas em direito constitucional.
A soltura, no entanto, não é
imediata e não necessariamente afetará a todos. Cabe aos juízes de execução,
responsáveis pelas prisões dos detidos, analisar cada caso para fazer cumprir a
determinação e liberar os presos individualmente.
Além disso, a decisão de
Marco Aurélio exclui aqueles presos que estejam sob medida cautelar - prisão
preventiva ou temporária, por exemplo -, casos como o do ex-governador do Rio,
Sérgio Cabral Filho, e o do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo
Cunha.
Segundo o professor de
Processo Penal da PUC Marco Antonio Marques da Silva, a liminar de Marco
Aurélio não é um "salvo conduto geral" para todos os presos que estão
nas mesmas condições de Lula. "Não é uma determinação de imediata
soltura", diz ele. Segundo o constitucionalista, apesar do efeito
vinculante da determinação de Marco Aurélio, não há garantia de que ela vá ser
cumprida pelos juízes.
Ele explica que caberá ao
presidente do STF, Dias Toffoli, analisar os pedidos de reconsideração que
devem chegar da Procuradoria-Geral da República, partidos políticos e outras
instituições durante o recesso do Judiciário, que começou às 15h desta quarta.
"Em tese, num plantão,
é o próprio presidente que decide essas questões contra a medida. Vai ficar nas
mãos do Toffoli."
Silva critica o fato de o
tema, que já foi alvo de várias discussões no plenário ao longo dos anos, ser
decidido, mesmo que liminarmente, de forma individual.
"Se quer decidir, manda
para a mesa. Não é assim de forma isolada e individual, porque tem reflexo para
todo país. Uma das grandes questões que a imprensa e o judiciário
internacionais acham do Brasil é que a gente fica fulanizando - a decisão do
ministro X, do ministro Y. Se é do Supremo tem que ser de toda corte."
Para o professor, o
argumento de que a decisão é individual e vai contra outros entendimentos
anteriores do plenário será usado para inviabilizá-la.
"Como é uma decisão
liminar e é individual, pode ser entendido que esse caso não se aplica ao
ex-presidente Lula. Pode ser questionado como os 11 decidem de um jeito e um
decide sozinho de outro."
Além disso, segundo o
entendimento de alguns juristas, há a possibilidade de que o presidente do STF,
Dias Toffoli, derrube a decisão diante de um recurso da Procuradoria-Geral da
República.
"A meu ver, é a única
forma dessa liminar ser derrubada", afirma Cristiano Maronna, presidente
do IBCCrim, uma das entidades de direito que entrou como parte interessada na
ação. "E não creio que isso vá acontecer, por causa do recesso (do
Judiciário, que começou às 15h desta quarta)."
O embate no STF em torno da
autorização da prisão após segunda instância se arrasta desde 2016, quando por
maioria apertada de 6 a 5 o plenário permitiu o cumprimento antecipado da pena.
O ministro argumentou na sua
decisão que, embora o plenário do STF tenha decidido provisoriamente autorizar
a prisão após condenação sem segunda instância, o julgamento definitivo está
pendente há meses, desde que ele liberou duas ações sobre o tema para análise
do plenário.
Esse posicionamento poderia
ser usado como argumento por alguns juízes que desejem evitar a soltura,
segundo Diego Werneck, professor de direito da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
"Não dá para saber se
vai haver obediência uniforme a essa decisão - alguns vão obedecer, outros vão
tirar argumentos inclusive da própria decisão, argumentando que ele mesmo está
esperando uma decisão definitiva da questão em plenário", afirma.
"É muito difícil
imaginar que uma decisão individual como essa, com esse nível de ousadia e
descuido, vai ter obediência uniforme pelo juiz da execução."
Longo embate no STF
A princípio, um novo
julgamento da questão da prisão após condenação em segunda instância só estava
marcado para 19 de abril. Marco Aurélio, porém, já demonstrou diversas vezes
incômodo com a demora para que o caso fosse analisado pelo plenário.
Apesar de a Constituição
Federal prever o cumprimento da pena somente após o esgotamento de todos os
recursos, prevaleceu o entendimento de que a decisão de segunda instância é
suficiente para determinar a prisão porque é ali que se esgota a análise de
provas e do mérito do processo, enquanto nas cortes superiores cabem apenas
discussões formais de aplicação das leis.
O julgamento de 2016, porém,
foi liminar (provisório), de modo que a Corte ainda pode reverter a decisão no
julgamento definitivo de duas ações declaratórias de constitucionalidade, cujo
relator é Marco Aurélio.
A expectativa hoje é de que
o placar tenha virado, pois o ministro Gilmar Mendes já declarou publicamente
que mudou de posição e não votará mais pela permissão da prisão após condenação
em segunda instância. Marco Aurélio cita essa mudança para justificar a decisão
desta quarta.
Desde então, os ministros
contrários à prisão antes do trânsito em julgado têm pressionado para que o
caso seja definitivamente analisado pelo plenário da Corte. A resistência da
presidente anterior, ministra Cármen Lúcia, em pautar essas ações para
julgamento acabou abrindo espaço para que Lula fosse preso em abril. O petista
teve seu pedido de habeas corpus rejeitado por 6 votos a 5, já que a maioria
entendeu que estava em vigor a decisão de 2016 autorizando a prisão.
A expectativa é de que o
Tribunal, no julgamento marcado para abril, adotará uma solução intermediária
em que o cumprimento da pena ficará autorizado após decisão do Superior
Tribunal de Justiça (STJ).
Operação Lava Jato
A defesa de Lula, que está
preso na carceragem da Polícia Federal (PF) em Curitiba desde abril, já pediu à
Justiça a soltura do ex-presidente.
Lula cumpre pena de 12 anos
e 1 mês de prisão por condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no
caso do Triplex do Guarujá. Ele ainda não foi condenado em última instância e
nega as acusações. Segundo o PT, o motivo de sua prisão é político.
Procuradores da Operação
Lava Jato criticaram a decisão do ministro Marco Aurélio. Em coletiva de
imprensa em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da
força-tarefa, afirmou que a medida "tem efeitos catastróficos sobre os efeitos
da justiça penal no país".
Ele disse acreditar, porém,
que a decisão será revertida antes que possa surtir resultados.
"Entendemos que é uma
decisão isolada de um ministro do Supremo Tribunal Federal que não vá resistir
à análise do próprio Supremo."
Dallagnol afirmou que,
atualmente, há 35 pessoas presas após condenações em segunda instância em
decorrência da Lava Jato - e que, em tese, poderiam se beneficiar da decisão de
Marco Aurélio.